segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A EXISTENCIA DA LIBERDADE EM S. AGOSTINHO

      Antes de provar a existência da liberdade humana Agostinho prova a existência de Deus, explicação que perpassa toda a obra “O Livre-arbítrio”, pois todas as coisas procedem d’Ele, e nada existe sem sua permissão. Como tudo tem sua origem em um Ser Supremo e incriado, Agostinho atribui toda a criação a Deus, pois é dele que tudo procede.

      Diante de tal constatação percebemos que existimos, pensamos e vivemos por isso nos é possível concluir que existe algo superior a nós, de onde procedemos e somos. Por assim ser, concluímos que Deus por existir fora do tempo, ser um ser incriado, portanto criador de tudo que existe, chegamos assim a premissa que também o nosso objeto de estudo dele procede, isto é, a liberdade humana, tendo em vista que ao criar o homem Deus o criou à sua imagem e semelhança, já que assim foi criado o homem possui este dom que fora dado ao primeiro homem, mas por sua desobediência foi manchado. Por conta de tal conhecimento “[...] Inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”.(AGOSTINHO, 2003, p. 15).

      Assim, Agostinho prova através da experiência e da razão que existe um ser que nos criou e sobre nós exerce seu poder e sua bondade, nos dando a paz e a tranqüilidade que fora perdida por nossos primeiros pais.

      Deste modo, Agostinho, afirma que Deus por ser criador de tudo, e tudo que dele procede, logo é bom, por ser bom o mal que é a ausência do bem não tem sua origem em Deus e sim no livre uso da vontade, assim ele atribui ao homem e não a Deus a responsabilidade da origem do mal. Não vamos nos ater precisamente a esta temática tendo em vista que o mal não é o nosso objeto de estudo.                    

Para Agostinho a “liberdade é uma verdade primária e evidente, e, portanto incontestável”22 ·. Uma verdade por tratar de algo perceptível aos olhos. Não se pode negar que o homem pode escolher aquilo que deseja ter, isto é evidente na história humana. Esta verdade é primária, porque ele pode desde o princípio escolher livremente o que fazer. Escolher entre aquilo que se lhe apresenta, os seus atos são de sua inteira responsabilidade, cabe a ele optar e julgar as suas ações.

            A liberdade para ele constitui-se como sendo um bem, e um bem em si mesmo. Este sendo utilizado para praticar o mal (mal moral – numa leitura cristã seria o pecado; mal físico – sofrimento e doenças), isto não quer dizer que assim esta liberdade seja um mal, ela não perde sua essência boa, pois provém do Criador, que ao criar o homem infundiu em seu ser esta liberdade, esta vontade livre. Logo, para Agostinho a liberdade não se constitui como sendo a faculdade de escolha arbitraria entre o bem e o mal, mas como o poder de si determinar pelo bem e pelo Criador.

            O homem é constituído de diferentes faculdades que o compõem, entre estas a vontade ganha um importante destaque na filosofia agostiniana, como um dos fundamentos essenciais da liberdade. Ao buscar algo que gosta ou deseja o homem expressa a força de sua vontade, ela que é capaz de impulsioná-lo em tal busca.

            A vontade, se constitui como criadora e livre, é dela que procede a “aproximação ou o afastamento” do homem de seu Criador, ela entretanto, não é um bem supremo e sim um bem médio. Agostinho fala da existência de duas vontades, uma divina e outra carnal23, esta última deseja aquilo que satisfaz a carne, enquanto aquela conduz ao Criador. 

            Segundo Agostinho, o Criador prever nossas vontades e ações, isto não quer dizer que agimos sem liberdade, pois mesmo as prevendo Ele não as impede, portanto, em nenhum momento o homem é impedido pelo seu Criador de executar seus atos com vontade livre.  


 Eis por que, sem negar que Deus prevê todos os acontecimentos futuros, entretanto nós queremos livremente aquilo que queremos. Porque, se o objeto da presciência divina é a nossa vontade, é essa mesma vontade assim prevista que se realizará. Haverá, pois, um ato de vontade livre, já que Deus vê esse ato livre com antecedência. E por outro lado, não seria ato de nossa vontade, ele não devesse estar em nosso poder. Portanto, Deus também previu esse poder. (AGOSTINHO, 1995, p. 158-159)

             

            A vontade por ser livre é capaz de desejar ou negar algo. Cabe-nos fazer uma distinção entre o que seja a vontade e o querer. A vontade é o desejo de algo ou alguma coisa, e o querer é a força que guia esta vontade sendo um dispositivo que impulsiona e direciona o agir. Ela, a vontade é, em outras palavras um tesouro que todos somos possuidores, más que nem todos sabemos usufruir corretamente. Agostinho deixa claro que o homem possui realmente esta liberdade capaz de o guiar, cabe a ele usufruir dela como queira. 

            Esta Liberdade está fundamentada sob a verdade24, um bem que comparado aos outros bens transitórios como o ouro e a prata constituem-se como sendo indispensável, os outros bens, portanto, são vis e passageiros.

A verdade esclarece a mente humana, a ilumina, a direciona nos caminhos mais seguros, revelando aquilo que é, em contraste com o falso que faz com que se afirme naquilo que não é. No entanto, é importante lembrar que ela não é inferior ou igual a mente e sim superior a ela. Posto que esta deve ser necessária e eterna, ao passo que ela não pode estar na experiência sensível, isto se dá por ser o corpo mutável, sendo passível a mudanças. 


A verdade é, pois, sem contestação superior e mais excelente do que nós, porque ela é una e ao mesmo tempo torna sábia, separadamente, cada uma de nossas mentes e as faz juízes das outras coisas todas. Jamais, porém, a mente é juiz em relação à verdade transcendente. (AGOSTINHO, 1995, p. 124).


            A liberdade para Agostinho consiste em estarmos submetidos a esta verdade, que se manifestou claramente na encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, segundo a doutrina cristã. Ao falar para os homens de sua época, Jesus mostrou-lhes esta verdade: “Se permanecerdes na minha palavra sereis, em verdade, meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8, 31-32).

            A verdade mostra-se assim como sendo o mecanismo que conduz o homem para uma liberdade. Neste trajeto ele aprenderá a separar as realidades em sua volta, entre aquelas que são erros, que, portanto, não torna o homem livre, e a verdade, que o torna livre para desejar somente o que é bom e agradável. Visto que é a verdade que mostra a essência das coisas, mesmo aquelas que estão mais obscurecidas pelos vícios e as paixões.
            A verdade desvenda a essência dos atos humanos, mostra quem são os verdadeiros agentes de tais atos, qual a regra ou lei que os domina. Viver na verdade é viver de acordo com a justiça divina, guiado por ela. “Considera agora a justiça, da qual ninguém pode abusar. Ela é contada entre os maiores bens que existem no homem”. (AGOSTINHO, 1995, p. 138)                   




22 Cf: GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. 8. ed. Rio de Janeiro. Vozes, 2003. p. 191.
23  Cf: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 16. ed. Tradução de: Maria Luiza Jardim Amarante. São
Paulo. Paulus.  2003, p. 210-212.
24 A verdade perseguida por Agostinho é a medida (absoluta) de todas as verdades possíveis. Essa Suprema Medida é, e só pode ser Deus. Cf: MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia Tomo IV (q-z). São Paulo. Loyola. 1994. p. 60.   

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