Antes
de provar a existência da liberdade humana Agostinho prova a existência de
Deus, explicação que perpassa toda a obra “O Livre-arbítrio”, pois todas as
coisas procedem d’Ele, e nada existe sem sua permissão. Como tudo tem sua
origem em um Ser Supremo e incriado, Agostinho atribui toda a criação a Deus,
pois é dele que tudo procede.
Diante de tal constatação percebemos que
existimos, pensamos e vivemos por isso nos é possível concluir que existe algo
superior a nós, de onde procedemos e somos. Por assim ser, concluímos que Deus
por existir fora do tempo, ser um ser incriado, portanto criador de tudo que
existe, chegamos assim a premissa que também o nosso objeto de estudo dele
procede, isto é, a liberdade humana, tendo em vista que ao criar o homem Deus o
criou à sua imagem e semelhança, já que assim foi criado o homem possui este
dom que fora dado ao primeiro homem, mas por sua desobediência foi manchado.
Por conta de tal conhecimento “[...] Inquieto está o nosso coração, enquanto
não repousa em ti”.(AGOSTINHO, 2003, p. 15).
Assim, Agostinho prova através da experiência
e da razão que existe um ser que nos criou e sobre nós exerce seu poder e sua
bondade, nos dando a paz e a tranqüilidade que fora perdida por nossos
primeiros pais.
Deste modo, Agostinho, afirma que Deus por
ser criador de tudo, e tudo que dele procede, logo é bom, por ser bom o mal que
é a ausência do bem não tem sua origem em Deus e sim no livre uso da vontade,
assim ele atribui ao homem e não a Deus a responsabilidade da origem do mal.
Não vamos nos ater precisamente a esta temática tendo em vista que o mal não é
o nosso objeto de estudo.
Para
Agostinho a “liberdade é uma verdade primária e evidente, e, portanto
incontestável”22 ·. Uma verdade por
tratar de algo perceptível aos olhos. Não se pode negar que o homem pode
escolher aquilo que deseja ter, isto é evidente na história humana. Esta
verdade é primária, porque ele pode desde o princípio escolher livremente o que
fazer. Escolher entre aquilo que se lhe apresenta, os seus atos são de sua
inteira responsabilidade, cabe a ele optar e julgar as suas ações.
A
liberdade para ele constitui-se como sendo um bem, e um bem em si mesmo. Este
sendo utilizado para praticar o mal (mal moral – numa leitura cristã seria o
pecado; mal físico – sofrimento e doenças), isto não quer dizer que assim esta
liberdade seja um mal, ela não perde sua essência boa, pois provém do Criador,
que ao criar o homem infundiu em seu ser esta liberdade, esta vontade livre.
Logo, para Agostinho a liberdade não se constitui como sendo a faculdade de
escolha arbitraria entre o bem e o mal, mas como o poder de si determinar pelo
bem e pelo Criador.
O
homem é constituído de diferentes faculdades que o compõem, entre estas a
vontade ganha um importante destaque na filosofia agostiniana, como um dos
fundamentos essenciais da liberdade. Ao buscar algo que gosta ou deseja o homem
expressa a força de sua vontade, ela que é capaz de impulsioná-lo em tal busca.
A
vontade, se constitui como criadora e livre, é dela que procede a “aproximação
ou o afastamento” do homem de seu Criador, ela entretanto, não é um bem supremo
e sim um bem médio. Agostinho fala da existência de duas vontades, uma divina e
outra carnal23, esta última deseja
aquilo que satisfaz a carne, enquanto aquela conduz ao Criador.
Segundo
Agostinho, o Criador prever nossas vontades e ações, isto não quer dizer que
agimos sem liberdade, pois mesmo as prevendo Ele não as impede, portanto, em
nenhum momento o homem é impedido pelo seu Criador de executar seus atos com
vontade livre.
Eis por que, sem negar que Deus prevê todos os
acontecimentos futuros, entretanto nós queremos livremente aquilo que queremos.
Porque, se o objeto da presciência divina é a nossa vontade, é essa mesma
vontade assim prevista que se realizará. Haverá, pois, um ato de vontade livre,
já que Deus vê esse ato livre com antecedência. E por outro lado, não seria ato
de nossa vontade, ele não devesse estar em nosso poder. Portanto, Deus também
previu esse poder. (AGOSTINHO, 1995, p. 158-159)
A
vontade por ser livre é capaz de desejar ou negar algo. Cabe-nos fazer uma
distinção entre o que seja a vontade e o querer. A vontade é o desejo de algo
ou alguma coisa, e o querer é a força que guia esta vontade sendo um
dispositivo que impulsiona e direciona o agir. Ela, a vontade é, em outras
palavras um tesouro que todos somos possuidores, más que nem todos sabemos
usufruir corretamente. Agostinho deixa claro que o homem possui realmente esta
liberdade capaz de o guiar, cabe a ele usufruir dela como queira.
Esta
Liberdade está fundamentada sob a verdade24,
um bem que comparado aos outros bens transitórios como o ouro e a prata
constituem-se como sendo indispensável, os outros bens, portanto, são vis e
passageiros.
A verdade esclarece a
mente humana, a ilumina, a direciona nos caminhos mais seguros, revelando
aquilo que é, em contraste com o falso que faz com que se afirme naquilo que
não é. No entanto, é importante lembrar que ela não é inferior ou igual a mente
e sim superior a ela. Posto que esta deve ser necessária e eterna, ao passo que
ela não pode estar na experiência sensível, isto se dá por ser o corpo mutável,
sendo passível a mudanças.
A
verdade é, pois, sem contestação superior e mais excelente do que nós, porque
ela é una e ao mesmo tempo torna sábia, separadamente, cada uma de nossas
mentes e as faz juízes das outras coisas todas. Jamais, porém, a mente é juiz
em relação à verdade transcendente. (AGOSTINHO, 1995, p. 124).
A
liberdade para Agostinho consiste em estarmos submetidos a esta verdade, que se
manifestou claramente na encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, segundo a
doutrina cristã. Ao falar para os homens de sua época, Jesus mostrou-lhes esta
verdade: “Se permanecerdes na minha palavra sereis, em verdade, meus discípulos
e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8, 31-32).
A
verdade mostra-se assim como sendo o mecanismo que conduz o homem para uma
liberdade. Neste trajeto ele aprenderá a separar as realidades em sua volta,
entre aquelas que são erros, que, portanto, não torna o homem livre, e a
verdade, que o torna livre para desejar somente o que é bom e agradável. Visto
que é a verdade que mostra a essência das coisas, mesmo aquelas que estão mais
obscurecidas pelos vícios e as paixões.
A
verdade desvenda a essência dos atos humanos, mostra quem são os verdadeiros
agentes de tais atos, qual a regra ou lei que os domina. Viver na verdade é
viver de acordo com a justiça divina, guiado por ela. “Considera agora a
justiça, da qual ninguém pode abusar. Ela é contada entre os maiores bens que
existem no homem”. (AGOSTINHO, 1995, p. 138)
22 Cf: GILSON, Etienne. História da
Filosofia Cristã. 8. ed. Rio de Janeiro. Vozes, 2003. p. 191.
23
Cf: AGOSTINHO, Santo. Confissões. 16. ed. Tradução de: Maria Luiza
Jardim Amarante. São
Paulo. Paulus.
2003, p. 210-212.
24 A verdade perseguida por Agostinho é
a medida (absoluta) de todas as verdades possíveis. Essa Suprema Medida é, e só
pode ser Deus. Cf: MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia Tomo IV (q-z).
São Paulo. Loyola. 1994. p. 60.
Nenhum comentário:
Postar um comentário