ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros Passos, 124).
Pensando em partir
No
etnocentrismo, o “eu” julga o “outro” pelos seus próprios valores havendo a
dificuldade de aceitar as suas diferenças, e é através da constatação destes
que se origina o etnocentrismo, pelo choque de culturas. O sentimento de
estranheza é inevitável, pois ocorre a ameaça de “nossa” própria identidade
cultural tendo em vista que, de qualquer forma, o “eu” é representado como o
melhor, é quando o julgamento e a comparação do “outro” que é tido como
inferior por apresentar hábitos ou opiniões diferentes acontece.
O
etnocentrismo não é aplicado a uma única sociedade e a atitude etnocêntrica
sustenta o pressuposto do “outro” não ter voz nem vez. A ótica etnocêntrica
passa por um julgamento da cultura do “outro” nos termos da cultura do grupo do
“eu”. Mas, diante de todo esse contexto, existem idéias que vão de encontro ao
etnocentrismo e uma das mais importantes é a relativização. Ela faz com que
cada ponto de vista seja respeitado e possa existir de acordo com a sua
história e significação; é o contrario do etnocentrismo.
A
Antropologia Social é uma ciência que busca estudar a diferença entre os seres
humanos com o compromisso de procurar superá-la.
Primeiros
Momentos
No final do século XV e
inicio do século XVI discute-se e especula-se, nos centros avançados de estudo,
sobre as possibilidades teóricas e os desenvolvimentos técnicos necessários á
dilatação do império e á conseqüente alteração das fronteiras do mundo
conhecido. Dessa maneira surgia para o pensamento ocidental um conjunto de
novas questões, interesses e paradoxos. Onde o mundo do eu se via obrigado, a
pensar a diferença do outro. Com vários questionamentos como “o que significa o
novo mundo?” entre outras questões.
Assim, se iniciava a busca
de respostas que explicassem a diferença. O encontro entre a sociedade do eu e
a sociedade do outro, no século XVI constituiu em uma das arenas principais.
Era complicado de se entender no começo, mas porem era o inicio de uma nova
forma de pensar o outro, dando-se o nome de Antropologia Cultural e Social sem
preconceitos de qual das duas está com a verdade.
A noção de evolução é um
marco fundamental para o pensamento antropológico. Ela vai aparecer como idéia
básica para toda uma grande fase da teoria antropológica e na historia dos
saberes sobre o ser humano, tem um lugar de destaque, quase que como uma
ancora, para os trabalhos e estudos que procuram fazer da antropologia uma
ciência.
No século XV e XVI
atravessou-se um momento de espanto e perplexidade, que só vai encontrar nos
séculos XVIII e XIX uma nova explicação: o outro é diferente porque possui
deferente grau de evolução.
Evolução, no seu sentido mais
amplo, entende-se como equivalendo a desenvolvimento, a transformação
progressiva no sentido da realização completa de algo latente.
Para o evolucionismo
antropológico a noção de progresso torna-se fundamental, pois é no seu rumo que
a história do homem se faz. Acredita-se na unidade básica da espécie humana e o
fator tempo passa a ser bastante importante. Saindo de estágios mais primitivos
numa trajetória de permanente progresso onde o tempo é a teia onde se tece a
evolução.
O etnocentrismo estava em
achar que o outro era completamente dispensável como elemento de transformação
da teoria. A magia desse processo consiste em que quanto mais sabemos mais
sabemos o quanto falta saber. Partindo daí, a consciência que leva a
antropologia a explodir os esquemas simplificadores do evolucionismo e assim a
ampliar seu campo de estudo.
O
passaporte
A terceira categoria
destacada no texto é o “Passaporte”, no qual aborda que o século XX traz para a
Antropologia uma série de novas idéias, formuladas por um grupo de estudiosos.
Com isto, o etnocentrismo vai aos poucos se desestruturando dentro da
disciplina. O passo inicial dado em busca dessa superação do etnocentrismo foi
dado pelo alemão Franz Boas. Ao seu nome se liga uma escola de pensamento que
ficou conhecida como difusionismo ou escola americana.
Boas juntamente com um
grupo de alunos, relativizam as noções de evolucionistas, como também as idéias
de cultura e história. Ele é o primeiro a perceber a importância de estudar as
culturas humanas em seu particular. Cada grupo com suas condições históricas,
climáticas, lingüísticas, produzem uma determinada cultura, que se caracteriza
por ser única exclusiva. Boas, volta-se definitivamente para o mundo do
“outro”.
Outra obra de destaque
“Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre, que por sinal também foi aluno de
Boas, traz uma abordagem a cultura brasileira, observando o universo
microscópico do cotidiano, o que os brasileiros fazem e pensam para criar uma
forma particular de ser na vida. Outros grupos se desenvolveram em busca do
mesmo objetivo, a superação do etnocentrismo. Um grupo investiga a relação
entre a cultura e o ambiente, um segundo relaciona a mentalidade dos indivíduos
com a cultura por eles vivida, e um terceiro grupo investiga as relações entre
a linguagem e a cultura.
Começaremos pela escola
personalidade e cultura que tem como características principais, estabelecer
uma relação entre a cultura e as personalidades individuais, como se a cultura
influenciasse diretamente na vida humana. A cultura seria um conjunto de
características que estariam impressas nas personalidades humanas. Um dos
problemas nessa escola é o que chamamos de reducionismo, ou seja, a dificuldade
de explicarmos o todo – a cultura – por uma de suas partes, nesse caso a
personalidade.
O segundo grupo no qual
vem estudar a relação entre a cultura e a linguagem destaca que, cada língua ao
se deparar com a realidade a transforma em algo. A língua é para aqueles que a
falam, um fator determinante que organiza sua visão de mundo. O terceiro e
último grupo na qual relaciona a cultura e o ambiente, pressupõe que o ambiente
é o fator que determina as opções culturais.
A cultura é uma resposta
adequada ao meio onde se estabelece. Os elementos culturais inseridos em um
ambiente passam por mudanças, readaptações, etc. Diante de toda essa abordagem,
podemos concluir que o “outro” passa a ter um lugar de destaque, passa a ser
estudado como algo relevante, deixando de ser um simples momento do “eu”.
Voando
Alto
Para o evolucionismo, a
humanidade caminha em uma só direção que é a evolução, mas para o pensamento
difusionista deve-se estudar particularmente cada povo. Para historicistas o
presente se conhece através dos estudos.
Radicliffe-Brown questiona
essa maneira de estudo e utiliza o funcionalismo no intuito de empurrar o
estudo do “outro”, da “diferença”, para fora do etnocentrismo. A antropologia
se separa da história e se direciona para o estudo da sociedade do “outro” sem
se preocupar com o passado desta sociedade. A sociedade do “eu” tem o tempo
como instrumento básico para compreensão da vida. Quando a antropologia se afasta da história abre um lugar
para que a sociedade do “outro” apareça com ela é.
Na ligação entre o “eu” e
o “outro” ocorre uma diminuição no etnocentrismo. Para Brown deve-se existir
uma ligação entre, “processo”, “estrutura” e “função”, pois estes formam um
esquema para interpretar a realidade. O “processo social” é a criação das
relações sócias onde ocorre um envolvimento sistemático entre todos.
Durkheim afirma que o
social não se explica pelo individual, pois toda a sociedade não se pode
explicar apenas pelo individuo. O fato social é coercitivo, extenso, e externo.
Assim o fato social induz o homem a uma participação independente da sua
vontade, não conseguindo o homem se excluir deste se ele for envolvido, o fato
social independe da vontade do individuo.
Malinowski passa 31 meses
em uma aldeia, no intuito de visitar o mundo do “outro”, assim ele consegue
repensar o próprio “eu” através de uma relativização entre um e outro. Onde a
sociedade do “outro” é utilizada para que a sociedade do “eu” possa se vê.
Todos estes homens tentaram
superar o etnocentrismo e usar as diferenças como conquistas.
A
volta por cima
A contribuição de Claude
Lévi-Strauss foi muito importante, sendo ele o autor de algumas das obras mais
importantes da Antropologia, ressaltando a necessidade de se conhecer o outro,
na sua experiência ele relata sua convivência com os índios, ao qual ele se
dizia “discípulo e testemunha”.
É
preciso constatar a incansável busca da Antropologia pela relativização,
tentando se desprender da visão etnocêntrica do “eu”, que acaba influenciando
no conhecimento do “outro”. A Antropologia com o passar do tempo identificou
essa necessidade de conhecer o outro e sua diferenças, não como ameaça a ser
destruída, mas como contribuição a humanidade.
A
autonomia alcançada por ela fez com que ele se desvencilhasse de certos
pré-requisitos do “eu” para conhecer o “outro, o que anteriormente não poderia
acontecer já que se tinha um conceito de cultura pré- estabelecido ao qual não
conseguia se soltar. Um dos maiores desafios da antropologia foi deixar essa
visão do “eu”, já que ela foi concebida na sociedade do “eu”.
A
Antropologia teve como artifício para o conhecimento do outro a pesquisa de
Campo, que levou o pesquisador a conhecer e vivenciar as realidades estudadas,
para construir de forma correta uma visão relativa e não mais etnocêntrica.
Quando a Antropologia se guiou pela sociedade do “eu”, acabou fugindo
totalmente a sua real vocação, a de preservar a diversidade em prol da
relativização.
As
noções de cultura estavam intimamente ligadas a questões históricas, onde a
própria história contada pelo “eu” aparecia como verdadeira, eliminando
qualquer participação do outro na construção da mesma. Com outros autores a
idéia de cultura ganha outros traços se desprendendo da história.
É
o próprio Lévi-Strauss que vai descartar a importância da história para o
entendimento do outro, já que não se tem uma única história, existe várias, não
se pode basear na história de uma sociedade desenvolvida para entender o porquê
que a outra não se desenvolveu, cada sociedade ou até mesmo o individuo passa
por mutações diferenciadas, o que deixa ainda mais complexo de se entender o
“outro”. Em uma de suas obras “Estruturas Elementares do Parentesco”, Lévi
Strauss vai mostrar um modelo típico de etnocentrismo, que é a questão da
família, na nossa visão nuclear como o coração do sistema, ou seja,
universalizamos um único modelo de família como o ideal e o único aceitável,
qualquer outro modelo de parentesco que não seja consangüíneo parecia até mesmo
absurdo
Boas
juntamente com seus alunos, foi o grande responsável pela contribuição dada na
tentativa de superar o etnocentrismo, que ainda é muito presente. A cultura agora
pode ser observada a partir de diversos segmentos, como, a linguagem, o
ambiente e até mesmo o comportamento dos indivíduos.
A Antropologia busca a relativização das situações para um possível conhecimento,
eliminando essa visão etnocêntrica de que o “eu” é algo normal e que o “outro”
se apresenta sempre como algo inaceitável e esquisito se ele não comunga das
mesmas qualidades e referências existentes no “eu”. O mundo que a antropologia
espera é um mundo relativo e complexo, até mesmo chegando ao ponto de conhecer
o “outro” antes mesmo de conhecer o “eu”.